A notícia que li no outro dia de que “Lisboa vai ter rede de 1.200 bicicletas partilhadas” deixou-me absolutamente perplexo! A primeiríssima ideia que me veio à cabeça é a do viaduto pedo-ciclável da segunda circular, onde passo regularmente, e no qual não vi até hoje um único ciclista! Será talvez uma forma de dinamizar tal infraestrutura, criando por exemplo um parque de bicicletas partilhadas mesmo ao lado?
Para o cidadão comum, parecerá uma boa ideia. O problema é o “custo das boas intenções”… Na verdade, abundam os exemplos pelo Mundo onde esta ideia já provou ser asneira da grande. Vou pegar em apenas dois exemplos mais conhecidos, o de Barcelona e Aveiro. Pessoalmente conheço melhor outra aberração, a de Vilamoura, onde nunca consegui encontrar uma bicicleta, apesar de ter pago para isso…
Como se pode ver neste artigo do Wikipedia, são já muitas as centenas de cidades que têm um sistema destes. Uma boa referência é esta página no Google Maps. Todavia, como se lê no artigo principal do Wikipedia sobre os sistemas de bicicletas partilhadas, até à data, nenhum destes programas tem conseguido de forma consistente operar com base em fundos próprios. Sejam geridos por entidades públicas, ou mesmo privadas em regime de PPP. Como consequência, são as entidades públicas e os contribuintes que pagam a conta…
De todos os exemplos Mundiais, o de Barcelona aqui ao lado é um excelente exemplo. Sobretudo pela orografia da cidade, não muito diferente de Lisboa. O sistema chama-se o El Bicing, custa uma taxa fixa de 47.16€ anuais, e pode-se utilizar gratuitamente uma bicicleta durante 30 minutos de cada vez. Até duas horas, cobram-se 0.74€ por cada fracção de 30 minutos, e se não se entregar a bicicleta após duas horas, paga-se uma penalização de 4.49€ por cada hora em atraso. Passadas 24 horas de não entrega, há outra penalização de 150€. A utilização pretendida portanto é de pequenas deslocaações dentro de Barcelona…
O problema logo à partida é o da falta de civismo para com algo que não é privado. Em 2009, o custo por vandalismo, roubo e genericamente falta de civismo custou a módica quantia de 3.56 milhões de euros. Mais de metade das bicicletas foram roubadas nesse ano. A leitura do artigo dos 3.56 milhões dá um manacial de informação sobre os roubos de bicicletas, as viagens fraudulentas, e os custos associados, directos e indirectos, nomeadamente o de uma fiscalização da polícia associada à procura daqueles que viajavam sem título…
Estudos de consultores de mobilidade dão-nos uma imagem mais completa dos custos. O investimento inicial terá sido de 15.9 milhões de euros (os políticos apenas referem 10 milhões), utilizados na montagem das 400 estações e restante infraestrutura, e na compra de 6000 bioicletas e nas furgonetas para recolocar as bicicletas. A isto somam-se cerca de 5 milhões de euros por ano para cerca de 250 funcionários, e cerca de 10 milhões de euros para exploração do sistema. Somando-se a amortização anual do investimento inicial, chega-se a um custo anualizado de cerca de 18 milhões de euros.
Uma forma de olhar para os custos anteriores, e ainda segundo o link do parágrafo anterior, é ver qual a parte de receitas. Como os utilizadores não pagavam em 2009 sequer 5 milhões de euros, os contribuintes tinham que entrar com os mais de 13 milhões restantes. Na verdade, parte deste valor vinha das taxas de estacionamento, mas na verdade vai dar exactamente ao mesmo… Como se fizeram cerca de 11.2 milhões de viagens anuais, o custo suportado pelos contribuintes por cada uma dessas viagens de 30 minutos foi de cerca de 1.20 euros.
Um problema que ficou evidente desde o início, e que obviamente não surpreende, é que as pessoas não gostam de pedalar uma subida. Por isso, desde o início que se verificou que as bicicletas desapareciam das zonas altas de Barcelona, e depois se concentravam na zona baixa da cidade. E quando se encontravam, a verdade é que a notícia dizia que eram tipicamente bicicletas avariadas. Nas zonas da noite e junto à praia, o mais provável era mesmo não encontrar onde estacionar, e logo pagar a multa descrita acima. Para depois voltarem, não utilizavam as bicicletas…
Uma breve pesquisa online revela dados confrangedores! 40% dos utilizadores deixam de utilizar o serviço. A segregação dos turistas. Ou o problema da utilização na área metropolitana. Num estudo completo, até o pequeno comércio não se enamora da ideia. E quando houver um evento com muita gente, pede-se então que não se vá de bicicleta???
Mas, dirão os leitores que conseguiram chegar a esta frase, não há vantagens ambientais, de sustenatabilidade, ou outras que justifiquem esta solução? A parte que mais me surpreendeu é que nem sequer os ambientalistas concordam com isto! Neste artigo sui-generis, um blogger adepto das bicicletas refere que por cada descida de bicicleta, há um regresso de metro (a pessoa) e uma viagem de furgoneta (a bicicleta). Num artigo mais caústico, refere-se que esta solução só coloca dinheiro público na mão de pessoas e empresas privadas, dinheiro esse que poderia ser utilizado de forma muito mais proveitoso para facilitar uma movimentação realmente mais sustentável. E referem que o sistema não tirou automóveis de Barcelona, mas sim utilizadores dos transportes públicos, que encontraram nesta solução uma forma muito mais barata de se deslocarem! O resto do artigo é absolutamente brilhante a desmontar a suposta sustentabilidade do Bicing. Citando ainda especialistas de transporte público, “num Mundo de recursos limitados e de necessidades sociais tão grandes, não se entende a prioritização em gastos municipais em bicicletas”.
Poder-se-ía continuar a falar de Barcelona praticamente sem fim, mas em Portugal temos o exemplo antigo das BUGAs em Aveiro. Em Aveiro, uma cidade plana, uma bicicleta faz mais sentido. O sistema começou a operar em 2000 e logo se deparou com montes de problemas, como se depreende do estudo referenciado atrás. Entretanto, a fama perdeu-se, procura-se um novo modelo de gestão, coisa que obviamente não existe, embora os políticos acreditem sempre…
Enfim, o caso de Lisboa será igualmente um caso perdido! Vender-se-á a sustentabilidade, os políticos darão dinheiro às empresas interessadas num bom negócio, aparecerão para fazer as inaugurações, e depois, como de costume, nós todos que paguemos as contas…
Mas porquê é que deve ser sustentável?
Deviam os parques infantis então ter um porteiro a cobrar bilhete para tornar o parque infantil sustentável?
Deviam os passeios das ruas ter pórticos para cobrar as manutenções de forma a serem sustentáveis?
A introdução destas bicicletas em todo o mundo não podem ser vistas como negócios sustentáveis, têm que acima de tudo servir a população. O valor que se cobra deve ser obviamente administrativo para tornar a utilização rentável para o cidadão.
A cidade fica a ganhar por todo o possível tráfego automóvel que é transformado em bicicletas, como não podem ver isso?
Em Torres Vedras fizeram algo semelhante, numa cidade de 20.000 pessoas, existem mais de 2000 registadas com cartão (custo de 10 euros por ano) e em 6 meses iniciais houve 11.000 utilizações.
Se os 10 euros pagam o investimento e a manutenção feita? Não pagam nem devem pagar!
C. Franco,
O sistema pode não ser sustentável do ponto de vista de negócio, pois afinal de contas um governo não é um negócio, mas tem de ser sustentável do ponto de vista de objetivos políticos.