Nos últimos dias tem sido divulgada uma acção meritória da DECO, intitulada “Juntos Pagamos Menos”. O objectivo é “ajudar os consumidores a reduzir a despesa mensal com a eletricidade”, promovendo-se um leilão de electricidade, sendo a participação dos consumidores totalmente gratuita. Parece bom demais para ser verdade, e se é totalmente gratuita, não admira que centenas de milhares de portugueses se tenham inscrito. Se ainda o não fez, ainda vai a tempo até dia 30 de Abril.
E eu fi-lo também, mas primeiro li bem as letras miudinhas (“Perguntas sobre o Leilão”, no canto superior direito da página). E o que aí li, não me deixou muito descansado… Mas, primeiro, os aspectos positivos.
A DECO afirma que “só serão aceites os fornecedores que apresentem contratos sem cláusulas lesivas dos direitos dos consumidores nem penalização por cessação antecipada do contrato de fornecimento”. Um bom princípio, especialmente o de não poder haver contratos de fidelização. A DECO espera “negociar uma nova tarifa que seja a mais baixa do mercado”. Ainda melhor, se o leilão não resultar numa tarifa que seja a mais baixa do mercado, a DECO promete indicar-lhe “a melhor opção disponível no mercado para o seu caso, se nos tiver facultado os elementos do seu consumo”.
Mas o que ganha a DECO com isto? Novos associados? Não. Cobra comissões? Sim! Nas suas próprias palavras, “a DECO poderá vir a receber uma comissão por cada contrato assinado pelos consumidores junto do fornecedor que ganhar o leilão”. A DECO promete todavia que “aos associados, será devolvido todo o montante respetivo recebido”. Ainda segunda a DECO, “este montante servirá para cobrir os custos administrativos, de organização, de publicidade e de gestão da ação. Em suma, tudo o que permite a boa organização do leilão de eletricidade”. E quanto é isso?
Tudo isto é um cenário de intermediação. Para nós consumidores, teoricamente, quantos menos intermediários, melhor. O que provavelmente vai acontecer é que a EDP se vai “baldar” ao leilão. Apenas marcará presença. Quem tem mais a ganhar com a iniciativa é quem quer mais clientes. Essas empresas apresentarão um preço mais baixo, a que acrescerá a comissão da DECO. Nesse mesmo dia, provavelmente a EDP, e possivelmente outras eléctricas, terão uma oferta comercial melhor. Mais que não seja, por isto, valerá a pena.
A DECO dá ainda o exemplo de diversos países em que o leilão já ocorreu, como a Alemanha, a Bélgica, a Holanda e a Inglaterra. Por isso, nada melhor que ver como correu a experiência nesses países. A recolha de informação é dificultada por questões linguísticas, pelo que resolvi começar pelo exemplo de Inglaterra.
O evento em Inglaterra chamou-se “Big Switch”, e decorreu há um ano atrás. Segundo a página, houve menos inscrições que em Portugal, tendo cinco eléctricas participado no leilão, tendo 37000 mudado de fornecedor. Mas a leitura dos Media dá uma visão menos favorável que a da Which, uma organização à semelhança da DECO em Inglaterra. Segundo esta notícia, apenas a 10% dos participantes do leilão foi oferecida a tarifa mais vantajosa, tudo porque a empresa que ganhou era demasiado pequena. Ao contrário de cá, para beneficiar da tarifa, há uma fidelização de 12 meses. Ainda pior, a oferta que ganhou o leilão não era a melhor do mercado! Segundo outra notícia, a Which? cobraria a cada fornecedor 40 libras pela mudança. Segundo a mesma notícia, o leilão terá custado à Which? qualquer coisa como £570000, pelo que ainda terá ganho algum dinheiro com o leilão. Estes montantes levaram mesmo outras organizações a realizar outros leilões, por comissões mais pequenas.
Na Holanda, a Consumentenbond ganhou 30€ por cada mudança, e uns estimados 1.75 milhões de euros nos dois leilões que organizou. Mas segundo o mesmo artigo, há organizações que ganham ainda mais!
Dos restantes países não consegui obter informação adicional. Todavia, outras iniciativas deste género são abordadas no ponto 4.3.3, página 48, deste doccumento da ICF GHK.
Em qualquer caso, estou inscrito para receber os resultados do leilão. Estarei naturalmente atento à minha pasta de Spam no Gmail, que é onde as mensagens da DECO vão parar. Da evolução deste leilão, e seus resultados, iremos aqui dando conta…
Hoje é o dia em que decorre o leilão!
Segundo o SOL, Rita Rodrigues da DECO, “Um dos pressupostos do leilão é o pacto de confidencialidade sobre quem e quantos vão a leilão”.
Segundo a TSF, a Iberdrola e a Gás Natural Fenosa já saltaram fora…
Alguém tem mais desenvolvimentos?
Segundo o Dinheiro Vivo, a DECO está a pedir uma comissão de 15 euros por cada cliente angariado:
Para 587080 potenciais clientes, é uma comissão de 8.8 milhões de euros… Nada mau!
Segundo o Público, afinal a GALP também não marcou presença hoje…
Falta só a EDP, que como já vimos não tem interesse no leilão e a Endesa. Será que a Endesa vai surpreender???
Segundo o DN, também a EDP não marcou presença, o que realmente não surpreende mesmo nada! Sendo assim, foi um leilão só com a Endesa? Ou será que ninguém marcou presença???
A saga continua… Segundo a Rádio Renascença, a comissão começou com 30 euros, como na Holanda, depois baixou para 18, e depois para 15… Algo me diz que ainda vai passar muita água por debaixo das pontes até isto estar tudo bem contadinho…
Segundo o Expresso, ganhou a Endesa. Parece que o secretismo da oferta vai continuar…
O comunicado oficial da DECO está aqui. O que quererão eles dizer com:
“permitindo à operadora cumprir entretanto todas as obrigações regulamentares a que está sujeita.” ???
Será que a comissão é paga à cabeça? Mistério…
A confusão estáinstalada. Segundo o Jornal de Negócios, a Endesa admite pagar os 15 euros de comissão. Mas segundo o Diário de Notícias, a DECO agora afirma que a comissão não superará os 5 euros. Não há dúvidas que está em marcha um damage control…