Na recente discussão sobre a Segunda Circular, várias vezes tropecei no argumento do excesso de carros em Lisboa. E não só sobre o projecto da Segunda Circular, mas outros que estão a ser discutidos em Lisboa. Várias vezes, várias pessoas, linkaram para um gráfico disponível em vários locais da Internet, nomeadamente no Corvo (não ponho link, pois o Google diz que que “This site may harm your computer”), mas também no Wikipedia, onde é nomeadamente referenciado na página de Lisboa. O gráfico pretende evidenciar a relação entre a população residente em Lisboa, versus o respectivo parque automóvel:
O gráfico mostra-nos uma linha a azul com a população residente no município de Lisboa, com o respectivo eixo dos yy à esquerda. Está a descer e bem! Os autores do Poupar Melhor contribuíram para isso! A linha a vermelho supostamente mostra o número de ligeiros de passageiros e todo-o-terreno no Município de Lisboa, com o respectivo eixo dos yy à direita. Aumentou e bem, e ambos os autores do Poupar Melhor contribuíram também para isso.
O problema está obviamente na linha a vermelho. Provavelmente por incapacidade de obter os números para o concelho de Lisboa, o autor aplicou a proporção populacional de Lisboa, a cada ano, ao parque automóvel de Portugal. Esta última variável é dado por este gráfico:
Reparem como o número de automóveis aumentou muito significativamente. Mas, pensando bem, está surpreendido? Vamos experimentar a técnica do martelanço! Procurei saber qual o município português que tinha perdido mais população. Mas não consegui encontrar em pouco tempo, pelo que me vou socorrer do exemplo da Sertã, que segundo um artigo do Público, perdeu 37.5% da população em 30 anos. Qual será a relação dos sertanenses com o automóvel? A resposta martelada é a seguinte:
Conseguem reconhecer o gráfico? Os sertanenses tiveram quase exactamente o mesmo comportamento dos Lisboetas? Bolas, o exemplo que arranjei em dois minutos na web é ainda mais estupidificante, porque a perda populacional dos dois concelhos não foi muito diferente.
Mas, podem experimentar com outros concelhos, mesmo aqueles que ganharam população. A grande diferença será naturalmente a curva a azul, que será ascendente. A curva vermelha terá sempre um aspecto semelhante, porque qualquer gráfico derivado da evolução do número de automóveis em Portugal, será naturalmente uma curva ascendente, semelhante à do segundo gráfico acima. Na verdade, seria preciso que um concelho perdesse quase 85% da sua população para que a curva vermelha começasse a inverter…
Enfim, ainda haveria mais a dizer sobre este gráfico. Fica só mais uma. Na replicação do gráfico que fizemos de Lisboa, conseguimos ir buscar dados uns anos atrás. Os dados interpolados da população de Lisboa, recorrendo aos dados da mesma página do Wikipedia sobre Lisboa, passam uma mensagem gráfica bem diferente, como se pode ver pela imagem abaixo. Porque não estarão esses dados no gráfico original? A resposta parece-me óbvia…
Fui eu o autor do referido gráfico. E se eu porventura “martelei” nos dados, o caro martelou ao quadrado, apenas para demonstrar a sua tese.
1) O único dado que é deduzido no gráfico, em relação à taxa de motorização nacional, é o número de carros na cidade de Lisboa, e repare que a proporção da população da cidade de Lisboa em relação ao país, é feita a cada ano, ou seja, ano a ano, mesmo considerando que a população de Lisboa vai descendo. Duvido que o caro tenha feito o mesmo para Serpa.
2) Lisboa é dos concelhos mais ricos do país em PIB per capita. Considerando os dados do INE que quanto mais rico é o indivíduo, maior a propensão para ter carro, o que o faz concluir que os dados estão martelados? Quando muito estão martelados por defeito. Já Serpa, segundo sei, é um concelho pobre em relação à média nacional.
3) Conhece a Lei dos Grandes Números? Ou seja, é muito mais provável que Lisboa, sendo um concelho com 500 mil habitantes, se aproxime muito mais da média nacional (e caso não se aproxime, será por defeito) , do que um concelho com “media dúzia” de habitantes.
Cumprimentos
João,
Os seus comentários só contribuem para reforçar a minha tese…
É que nem sei por onde começar. Mas bastará responder à seguinte pergunta:
Porque é que segundo a “sua” lei dos Grandes Números, porque é que Lisboa perdeu cerca de um terço da sua população, quando isso manifestamente não ocorreu no País???