Por causa do Espião no contador de eletricidade, comecei a pensar no que receberemos em troca com a instalação dos contadores inteligentes nas nossas casas. A imposição da Diretiva Comunitária que se estude a possibilidade é na prática um estudo sobre um instrumento para controlo global dos consumidores da rede elétrica.
Um relatório da ERSE de 2012 sobre a implementação de contadores inteligentes e a possibilidade de implementar os novos contadores inteligentes em Portugal levanta-me dúvidas sobre a utilização que será feita dos dados que passarão a estar acessíveis nestes novos contadores.
Segundo o relatório da ERSE, quem se mostrou minimamente preocupados com o tema da segurança de que falavamos no Espião no contador de eletricidade foram os prestadores de serviços. No relatório os prestadores do serviço, referidos como Operador de Rede de Distribuição (ORD), mostraram-se essencialmente preocupados com a responsabilização que pode recair sobre eles do uso indevido feito por terceiros da porta de dados de acesso a partir da rede interna doméstica (HAM).
A abertura da porta de acesso a dados a partir da nossa rede doméstica (HAM) permitiria o acesso a partir da nossa própria rede de dados para utilização de serviços disponíveis, mas nós já sabemos as questões que isso levanta com produtores de equipamentos inexperientes.
Mas os contadores inteligentes e o relatório da ERSE não me suscitam apenas as questões relacionadas com a segurança dos meus dados e o acesso pela minha rede interna com potencial negação de serviço através dos novos serviços disponíveis nos contadores inteligentes. Preocupa-me também o desequilíbrio que estes novos contadores irão provocar entre o cliente e o fornecedor.
A informação recolhida nos contadores inteligentes só servirá para aumentar uma posição de vantagem negocial do prestador em relação ao consumidor, já de si desequilibrada. Tudo isto a coberto de uma suposta liberalização com vantagens para o consumidor.
A alteração dos custos de eletricidade para valores que não param de aumentar já é feita sem tração na realidade: Sobe porque sim e também porque não. Como uma faca, a bondade do uso dos dados de utilização depende grandemente do objetivo de quem os usa. Sob pena de parecer um velho do Restelo, prefiro não lhes dar mais facas para me espetarem nas costas.
Os dados recolhidos pelos prestadores acabarão chegar de forma agregada (ou não) aos repositórios de dados sobre os cidadãos da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu ou outros. Isto acontecerá por obrigação destes junto dos reguladores nacionais e por obrigação dos reguladores nacionais junto dos orgãos de governação europeus.
Nenhum romance de George Orwell supera este futuro. Teremos fornecedores e governos mais informados sobre nós que nós mesmos sobre nós próprios, o que não é obrigatoriamente benéfico para os cidadãos.