Aqui no Poupar Melhor já falámos muitas vezes sobre as ex-Scut e sobre os seus pórticos. Podemos mesmo dizer que somos especialistas na matéria, mas esta foi para nós uma experiência completamente nova.
Há uns dias recebi uma carta de uma tal de Via Livre. Na carta que me enviaram desta empresa de que nunca tinha ouvido falar vinham duas páginas de referências a articulados, da escolha do emissor naturalmente, a acusar-me de ter o pagamento da passagem nos seus pórticos na Via do Infante em agosto de 2014 em falta. Preocupou-me o tom acusatório e a ameaça de contra-ordenação que daria em coima pelas histórias que conhecia.
Como em todas as ex-Scutt, a falha de leitura da Via Verde nos pórtico acontece sem que o utente seja avisado no momento da passagem.
Conversando com a Via Verde, indicaram-me o que deveria comunicar à empresa Via Livre. Tudo indica que na receção de uma carta com o teor da que refiro, devem comunicar imediatamente com o emissor a informação de que são clientes da Via Verde e desde quando.
No meu caso, sou cliente da Via Verde pelo menos desde 2003. Assim, seguindo as instruções da própria Via Verde, o que fiz foi retribuir o favor que a Via Livre me fez, e escrever uma carta em termos em tudo semelhantes:
Boa tarde,
Relativamente à vossa carta da passada semana, onde referiam a instauração de um processo de contra-ordenação ao proprietário da viatura a matricula NN-XX-NN que, de acordo com o articulado de vossa escolha, entenderam tinha em falta o pagamento da passagem nos pórticos no dia 16 de agosto de 2014, junto à localidade da Guia, no Algarve, informo que a viatura em causa tem contrato com a Via Verde desde o ano 2003.
Entendo que a existência do contrato com a entidade Via Verde e os meios que V.as Ex.as e os vossos associado/clientes/parceiros têm vos obrigam a manter processos e meios eficazes e eficientes de forma a que os vossos clientes/utentes não sejam incomodados com linguagem intimidatório-jurídica contendo acusações onde lhes imputam as falhas desse processos e meios.
Assim, agradeço que até ao próximo dia 19 de fevereiro de 2015 procedam:
- Ao envio de uma carta com o pedido de desculpas face à falha do vosso processo, onde devem mencionar que não se encontram quaisquer valores sem pagamento à data da emissão da carta para a viatura em causa;
- À inscrição da descrição desta não conformidade/insatisfação no que entenderem chamar ao vosso processo de gestão de qualidade/satisfação/processos para que seja avaliado no âmbito da melhoria continua da vossa instituição.
Cumprimentos
—
Álvaro M. Ferro
http://www.pouparmelhor.com/
Por hábito não me dirijo neste tom autoritário a ninguém, mas no caso de cartas de duas páginas com articulados jurídicos a indicar obrigações e deveres pelo número e alíneas da legislação em vigor abro uma exceção. O tom intimidatório, acusatório e prepotente em que são escritas as palavras na carta baseiam-se apenas em certezas sobre a culpabilidade do recetor da comunicação.
A carta não me indica que tenho um pagamento em falta e que devo regularizá-lo. Escala de “pagamento em falta” para “contra-ordenação” sem sequer se perguntar se o pagamento em falta se deveu a uma avaria dos meios de cobrança do próprio emissor.
Os pórticos das ex-Scut têm a particularidade de, independentemente do resultado da leitura do identificador na viatura, não darem qualquer informação do sucesso ou insucesso da leitura ao condutor. Quando o sistema dos pórticos falha, o condutor, que nada tem a ver com os pórticos, fica com a obrigação de retificar o erro que não cometeu e que não tem qualquer razão para ir verificar se ocorreu uma vez que é portador de um dispositivo eletrónico de identificação do seu veículo.
O site da Via Livre explica-nos como funciona, em português do antigo, claro está:
Como se pode pagar a taxa de portagem numa auto-estrada sem portagem manual, ou seja, com portagem exclusivamente electrónica?
O utente deve adquirir e instalar um DE (que pode ser um DEM, um DECP ou um DT) junto de uma entidade de cobrança de portagens, aderindo a um sistema de pagamento, o que permitirá accionar esse sistema de pagamento sempre que a passagem do DE seja detectada pelo pórtico de portagem.Se o utente não dispuser de um DE, poderá regularizar o pagamento a posteriori, no prazo de 5 dias úteis, realizando o pagamento nas Estações dos CTT, na rede Payshop e noutros locais que venham a aderir ao sistema, bastando para isso que o utente indique o nº da sua matrícula. Não procedendo a essa regularização, será considerado um infractor, e receberá na sua morada a respectiva notificação
Aqueles acrónimos (DEM, DECP, DE e DT) são-nos explicados pelas perguntas frequentes. Perguntas que nunca imaginaria fazer a mim próprio, como “o que é um DEM?” ou “O que será um DE?”, passarão a ser perguntas frequentes durante a leitura destas perguntas frequentes. Tudo de bom, é o que nos espera da leitura de perguntas frequentes que nos deixam com mais perguntas… e daquelas frequentes.
Ficamos pois a saber que, ao final dos ditos 5 dias somos “infratores” e seremos “notificados”. Tudo muito oficial e juridicamente bem construído para que não haja dúvidas de que pagamos ou somos uns grandes malandros.
Se ainda assim subsistirem dúvidas, já sabem, podem ligar para um número daqueles que se pagam a eles próprios: 707.
Ou então, um número 808…
Ou então podem usar o formulário no próprio site, indicando o número da notificação e demais informação, mas atenção, a Via Verde “Alerta” que:
Se não confiam na Internet e não se responsabilizam por coisa nenhuma porque na Internet acontecem… coisas, não deviam pedir no homepage do site que colocássemos lá informação. Talvez tenham escrito isto como um incentivo para se usar os números 707 e 808 sugeridos…
Este mau hábito de dar ao acusador toda a liberdade de agir a seu belo prazer e como se a condenação já tivesse sido passada começa a tornar-se um clássico. Provavelmente pelo excesso de juristas que a nação está a produzir e com tanta oferta de juristas, imagino que a procura esteja a baixar e isso leve os que ainda exercem a apresentar resultados dê por onde der.
Enquanto Portugal for um Estado de Direito Democrático, os seus cidadãos só são culpados após transitado em julgado.